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Descubra os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul na saúde de animais e pessoas. Especialistas em veterinária discutem os desafios do pós-enchente, doenças, resgates e a importância da saúde única.

Por Pauline Machado

Além dos impactos emocionais e psicológicos, em virtude da catástrofe que acometeu o estado do Rio Grande do Sul nos últimos meses, grandes são as preocupações com a saúde da população e dos animais. Uma das principais situações de alerta são as doenças infecciosas, haja vista a grande diversidade de doenças que, através da água, das condições de aglomeração e vulnerabilidade em que as pessoas e os animais se encontram, apresentam maior facilidade de propagação. 

Passados quase três meses da tragédia, os desafios continuam e, por isso, fizemos uma mesa redonda para nos explicar os grandes desafios do período pós-enchente e como está a situação dos animais atualmente.

Para compor a nossa conversa, convidamos a Médica Veterinária Luciana Salini Abrahão Pires e o Médico Veterinário André Reis, ambos professores do Centro Universitário UniBrasil, e contamos, ainda, com a participação do Médico Veterinário,  Álvaro Cezar de Abreu, diretor regional Sul da Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários – ABHV, que nos atualizou sobre as condições atuais dos animais. 

Acompanhe!

Pet Med – Diante da situação em que se encontra o estado do Rio Grande do Sul, por favor, nos explique quais são os maiores riscos para a saúde de humanos e animais que estão em localidades acometidas pelas enchentes.

Luciana Pires – Além das doenças infecciosas, tanto animais como os seres humanos estão sujeitos a uma diversidade de traumas e ferimentos, expostos a descargas elétricas levando a choques, e também sujeitos à hipotermia.

A saúde e bem-estar dos animais, dos seres humanos e do meio ambiente está intimamente relacionada, sendo que o desequilíbrio de uma das partes acarreta o desequilíbrio das outras. Diante disto, é importante que tenhamos uma visão ampla das medidas de controle, vigilância, políticas públicas para a manutenção da saúde e bem-estar de todas estas partes adotando a abordagem da Saúde Única. Para que esta abordagem seja eficaz é essencial que existam profissionais de diversas áreas trabalhando juntos na promoção do cuidado com animais, com as pessoas e com o meio ambiente.

Pet Med – Quais são as doenças mais comuns provenientes de enchentes?

André Reis – Em situações como esta, a água presente nos esgotos se mistura à água e à lama formada, se espalhando por todos os lugares e levando junto uma grande variedade de agentes infecciosos. Microrganismos como bactérias, protozoários e vírus podem encontrar condições propícias para a sua manutenção no ambiente e também são mais facilmente disseminados. Doenças como a leptospirose, doenças diarreicas agudas, cólera, difteria, Hepatite A, toxoplasmose, infecções respiratórias e de pele, verminoses, além de acidentes com animais peçonhentos (cobras, aranhas, escorpiões, etc), a Raiva e o tétano estão entre as principais doenças nestes casos. Doenças transmitidas por mosquitos, como por exemplo, a Dengue, a Febre Amarela também aumentam o risco durante o período de chuvas por favorecerem o desenvolvimento dos mosquitos transmissores.

Pet Med – E no caso dos animais? Quais são as doenças transmissíveis a eles em casos de enchentes?

Luciana Pires – Os animais também são expostos a diversos agentes infecciosos como a leptospirose, a toxoplasmose, a esporotricose, giardíase, verminoses, tétano, doenças de pele, além de doenças infecciosas virais.

Algumas doenças possuem ciclos de transmissão entre animais da fauna silvestre, ou entre animais da área rural, no entanto, nestas condições de enchentes temos o deslocamento dos animais, propiciando uma transmissão de diversas doenças entre as espécies.

Os animais também estão mais sujeitos a doenças transmitidas por mosquitos, uma vez que as condições ambientais se tornam favoráveis ao desenvolvimento e procriação de mosquitos transmissores.

Devido às condições de abrigo com grandes quantidades de animais, também devem ser tomados cuidados com parasitos externos como pulgas, piolhos e carrapatos que podem causar grandes infestações ambientais, além de serem causadoras de diversas doenças internas aos animais. Ácaros causadores de sarnas também podem aumentar a casuística, uma vez que são transmistidas pelo contato direto com os animais ou através das camas que podem alojar estes microrganismos. A escabiose é uma sarna que acomete animais e também os seres humanos.

Pet Med – Por favor, nos explique quais são as medidas preventivas dessas doenças e formas de tratamentos tanto para os humanos quanto para os animais.

André Reis – Algumas destas doenças são prevenidas com administração de vacinas, como é o caso da Raiva para cães e gatos e da leptospirose para cães.

Os gatos são acometidos pelo vírus da Leucemia Viral Felina, uma doença que leva o animal à queda da imunidade ficando vulnerável a outras doenças, e que também pode ser previnida com vacina específica.

Os animais que são mantidos em ambientes seguros e higienizados, que recebem alimentação adequada e que possuem um acompanhamento veterinário frequente têm maiores chances de combaterem os agentes infecciosos em um primeiro momento.

A leptospirose é uma das doenças de grande preocupação pois é transmitida pelo contato com a urina do rato, que no momento da enchente, se mistura com a água e a lama. Tanto os seres humanos quanto os animais podem contrair a doença se a água contaminada entrar em contato com algum ferimento na pele. Desta forma, deve-se evitar ao máximo o contato direto com a água das enchentes.

O consumo de alimentos e água também deve ser feito com todo o cuidado, evitando possíveis doenças transmitidas pela ingestão de água e alimentos contaminados.

Pet Med – Quais são os principais cuidados para proteger e salvar os pequenos animais (cães, gatos) em casos de chuvas fortes e possíveis enchentes?

Luciana Pires – Proteger e salvar pequenos animais como cães, gatos e coelhos durante chuvas fortes e possíveis enchentes requer planejamento, mas com intervenção rápida. Algumas ações precisam ser tomadas de forma antecipada e preventiva como por exemplo, ter os animais com vacinação em dia; ddispor de um plano de evacuação, com coleiras e caixas de transporte; ter dispositivos de identificação dos animais (placas em coleiras ou microchipagem) e ter kits de alimentos e medicamentos sempre de fácil acesso.

No momento da evacuação lembrar que a vida dos animais depende das pessoas, logo, deixá-los presos ou amarrados é condená-los à morte.

Pet Med – Uma vez resgatados e salvos vem a etapa do pós-resgate em que os animais estão longe dos seus familiares, em estado de estresse elevado e com a saúde debilitada. Quais são os principais procedimentos médicos possíveis a serem feitos para reestabelecer e manter a vida desses animais que passaram por situações como a do cavalo no telhado, por exemplo?

André Reis – As medidas iniciais visam a manutenção da segurança e da estabilização de condições vitais. É importante que as pessoas envolvidas nos resgates utilizem de dispositivos de proteção para evitar acidentes como mordidas e arranhões no momento das capturas.

Os animais precisam ser avaliados quanto à presença de ferimentos visíveis que necessitem de intervenções imediadas, identificação de estados de desidratação ou de estados de maior vulnerabilidade como o caso de animais filhotes ou idosos.

Na sequência, precisam ser examinados para a investigação de possíveis doenças infecciosas que possam colocar o animal em risco e também afim de evitar a proliferação de doenças a outros animais e aos seres humanos.

Ao mesmo tempo em que as equipes de trabalho atuam nesta etapa de triagem e estabilização, é necessário que haja a busca paralela pela identificação de possíveis lares provisórios para os animais.

Pet Med – Neste cenário, qual é a importância e o papel do Médico Veterinário?

Luciana Pires – O Médico Veterinário tem um papel fundamental nestas condições, pois é o profissional que detém o conhecimento para atuar diretamente no processo de triagem e cuidado aos animais, assegurando as condições de bem-estar e saúde dos mesmos. Nestes casos, o profissional estará apto a identificar situações de riscos e doenças, realizar os procedimentos para estabilização e tratamento e indicar as principais medidas de prevenção e controle para evitar contaminações dos animais e também prevenir a contaminação do meio ambiente e dos seres humanos.

Vale ressaltar que situações de catástrofes podem ter os efeitos minimizados se forem adotadas medidas preventivas. Para isto, é importante lembrar que a educação ambiental deve ser constante, informando e alertando a população sobre os riscos e medidas de prevenção de doenças animais e também de possíveis doenças zoonóticas.

É importante atentar-se, também, à exposição dos alimentos à água da enchente. Como citado acima, há uma grande contaminação da água que pode contaminar os alimentos – preparados ou não e, por isso, é extremamente importante monitorar se os alimentos foram expostos à água antes de prepará- los e ofertá-los. Nos casos de contaminação, devem ser descartados e não devem ser consumidos nem por animais, pois estes também podem adoecer.

Mesmo após o abaixamento da água o ambiente permanece sujo e contaminado. É extremamente importante realizar a limpeza e desinfecção das áreas para que possam servir como locais seguros para preparo e armazenamento de alimentos.

Recomenda-se que seja adotada a abordagem de Saúde Única, incluindo um planejamento multiprofissional para as ações de educação, vigilância e criação de política.

Ações de solidariedade

Com a palavra, Dr. Álvaro Cezar de Abreu, diretor regional Sul da Associação Brasileira dos Hospitais Veterinários – ABHV. 

Os efeitos do que passamos do início de maio até aqui foram complicadíssimos. Com relação aos animais, eles foram diretamente impactados assim como as pessoas. Nós tivemos em torno de 15 mil cães e gatos desabrigados, desalojados, que foram recolhidos e depois foram para abrigos, para algumas universidades, foram divididos em algumas clinicas e hospitais particulares também que acabaram acolhendo esses animais para ajudar na demanda.

Na sequência, foi preciso pedir ajuda para esses animais. Aí que entraram as campanhas todas feitas no Brasil todo e a ABHV foi uma das associações que esteve presente desde o início, acompanhando com voluntários, com médicos veterinários do Brasil inteiro que vieram para o Rio Grande do Sul para nos ajudar. 

Foi muito importante, foi determinante porque esses animais começaram a chegar de forma desorganizada e de uma forma intensa e de acúmulo nos abrigos, chegando ao ponto de alguns abrigos sem estrutura alguma estarem acolhendo 2 mil, 3mil animais. Então, foi uma situação bem complicada, como uma situação de guerra, o início desse processo todo.

Nós precisávamos de insumos, medicamentos, alimentação, abrigo, roupas, porque além da chuva, tínhamos o problema do frio também. A ABHV, junto com o Hospital de Campanha de São Paulo, montou uma estrutura e um local onde conseguiu armazenar esses insumos recebidos do Brasil todo. A ABHV também intermediu as doações, que vieram muitas, então, isso fez com que esses animais, em nenhum momento ficassem desassistidos. Esses animais tiveram acolhimento, tratamento, foram medicados, passaram por cirurgias, foram feitos testes de várias patologias e receberam roupas, camas e ração. Dessa forma, conseguiram ficar em uma condição de sobrevivência razoável, dentro das condições que se tinha ali naquele momento”.

Doações

“Falando em doações específicas da ABHV, a Pet Med foi uma das parcerias nossas nesse projeto e a ABHV liderou as doações do Brasil inteiro. Para se ter uma ideia ainda temos doações chegando, ainda tem doações em alguns afiliados do Brasil aguardando transporte para ir para o Rio Grande do Sul, então, somos muito gratos ao povo brasileiro, aos colegas, às empresas, às empresas parceiras da ABHV que não mediram esforços para mandar profissionais e doações de insumos para a gente ter uma condição mínima de trabalho no Rio Grande do Sul”.

Cenário atual

“Hoje, passados três meses, muitos animais foram adotados ou devolvidos para suas famílias, mas, alguns abrigos ainda estão com animais. A gente sabe que há uma dificuldade grande que é a questão da adoção dos animais que continuam nos abrigos, por vários motivos. São animais que não têm dono ou que tiveram alguma doença, ou são animais com algum tipo de problema de comportamento, ou em função do tamanho, da idade, e tudo mais.

Então, as prefeituras, através do Governo do Estado, como parceria, estão começando a absorver esses animais e direcionando eles para algum abrigo ou lar temporário até que se consiga dar um destino definitivo a esses animais.

Por fim, do ponto de vista das doações, nesse momento, a gente esta com as doações relativamente tranquilas, na medida em que o poder público está assumindo um pouco esses animais, então eles começam a ter a tutela do estado, do governo federal, resultando em uma situação mais tranquila do que há dois, três meses atrás”.

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