Por Pauline Machado
Os gatos são seres apaixonantes, tanto que temos duas datas para comemorar a sua presença neste mundo. No Brasil, comemoramos no dia 17 de fevereiro, e em 8 de agosto comemora-se o Dia Internacional do Gato.
Para compreendermos alguns aspectos fundamentais antes de levarmos um gatinho para casa, conversamos com a Médica Veterinária Mestre em Ciência Animal, especializada em medicina Felina e proprietária da empresa Dra.Gatos – Atendimento Domiciliar exclusivo ao paciente felino, Dra. Luana Ballardin (CRMV/PR:16560), atualmente responsável pelo setor de Medicina Felina do Hospital veterinário Santa Mônica, em Curitiba, no Paraná.
De acordo com ela, ao pensar na possibilidade de levar um gatinho para casa, a primeira coisa a ser levada em consideração é se a família está preparada mentalmente e financeiramente para receber uma nova vida em casa. “Ter um gato como companhia de vida é maravilhoso, mas, devemos lembrar de que é sim necessário um bom planejamento, pois ele será um novo membro na família”, afirma.
Sendo assim, a Médica Veterinária lista os quatro principais cuidados que considera importante a família ter antes de adotar um gatinho:
- Ambiente preparado, ou seja, a casa deve ser telada e ter um bom enriquecimento com arranhadores, prateleiras, tocas e brinquedos para que o gato possa ser inserido de maneira saudável na convivência com a família. Esse processo é chamado de “gatificação” da casa/apartamento.
- Consulta veterinária para excluir doenças escondidas como imunodeficiência felina (Fiv), leucemia viral felina (FelV), doenças que possam a vir passar para a família como a dermatofitose que é uma doença zoonótica causada por fungo, como diversas outras situações ou até mesmo um bom check up para prevenir doenças futuras.
- Protocolo vacinal de acordo com a indicação veterinária logo após a realização do teste de Fiv e FelV.
- Castração, que de maneira geral, serve como medidas de prevenção e diminuição dos índices de câncer de mama nas fêmeas e conflitos territoriais e impulsividade nos machos.
Vacinação
Antes de iniciar o protocolo vacinal nos gatos, é importante frisar que os pequenos felinos só devem ser vacinados se estiverem saudáveis, ou seja, após consulta veterinária.
Ballardin explica que, geralmente entre o 2° e o 3° mês de vida é quando se inicia o protocolo vacinal, que pode variar conforme a exposição do animal a doenças, sendo composta basicamente por uma vacina múltipla, mais uma vacina antirrábica, de uso nacional obrigatório. “As vacinas múltiplas atualmente são: Tríplice, que protege contra o vírus da rinotraqueíte, a calicivirose e a Panleucopenia, a vacina Quádrupla que protege contra todas as doenças anteriores, além da Clamidiose (Clamydia psittaci), e por fim a Quíntupla, que protege contra todas as doenças da vacina quádrupla mais o vírus da leucemia felina”, detalha.
O intervalo entre doses costuma ser entre 21 a 28 dias para um protocolo inicial e o número de doses e a frequência de manutenção das vacinas podem variar e deve ser planejada junto com seu veterinário de confiança.
Importância da vacinação mesmo para os gatos que vivem sem acesso a rua
Essa é outra dúvida muito comum. Via de regra todos os gatos que moram em apartamentos ou casas teladas já vieram de algum lugar e na maioria das vezes os gatos são adotados diretamente da rua ou de ONGs que resgataram da rua. Os que foram comprados, também, em sua grande maioria, vem de gatis com moderada ou intensa quantidade de gatos. Portanto, em ambos os cenários esses animais têm contato direto com diversos gatos e podem já estar contaminados com herpesvírus felino, causador da rinotraqueíte por exemplo, que é um dos vírus mais comuns em gatinhos, transmitido facilmente por via nasal, oral ou conjuntival e uma vez contaminado o gato se torna portador para o resto da vida. Por isso, mantendo os gatos vacinados você auxilia na manutenção de uma boa imunidade ao longo da vida, por estimular a produção de anticorpos e diminuir a transmissão de doenças entre os gatinhos que vivem em casa. A imunização para cada paciente e situação variam, por isso, sempre consulte um médico veterinário para escolha do protocolo vacinal”, orienta.
Vermífugos
Esse é um dos temas mais falados durante as consultas de gatos, sobretudo quando são filhotes, afirma a especialista que reforça a sua importância para esses pets. “Os gatos possuem contato direto com o ambiente em que defeca, a caixa de areia, ou no caso dos gatos de vida livre a terra/areia da rua mesmo. Então, vamos pensar nos dois cenários, se o paciente mora em ambiente domiciliar, mas é positivo para algum parasito, ele vai continuar se infectando sempre que entrar em contato com a própria areia, além de passar para os animais e humanos em contato com a mesma areia. Se o gato tiver acesso a rua, terá contato direto com o ambiente que completa o ciclo das parasitoses, ou seja, a terra/areia e outros animais através da caça e ingestão dos mesmos. Sem contar, é claro, todo o mal que o parasitismo causa para esse paciente, a exemplo da ancilostomíase, giardíase e platinossomose. Todos esses causam uma debilitação específica”, atesta a Médica Veterinária que acrescenta. “O ancylostoma vai causar a espoliação e em grandes infecções pode causar anemia e o paciente vir a óbito. A giárdia, que é de difícil controle, se não tratada pode deixar o paciente sem nutrientes devido a intensa diarreia, enquanto o platynosomum acarreta em problemas graves ao fígado. Logo, apenas com esses três exemplos, já temos bons motivos para manter a vermifugação em dia”, garante.
De acordo com ela, a partir da sexta semana de vida até completar seis meses de vida é o período recomendado para vermifugar os gatos, pois é o período em que ficam mais susceptíveis a adquirirem doenças ou podem já virem contaminados de onde estão.
Dra. Luana ressalta ainda que, as gatas amamentando devem ser tratadas ao mesmo tempo que os filhotes e, assim como na vacinação, os adultos precisam ser avaliados quanto a saúde, convívio com outros animais e ambiente antes de serem vermifugados. “Eu considero muito importante a realização de um exame de fezes ou seriados periódicos para reavaliar a necessidade ou não da manutenção de vermifugar”, avalia.
Doença Renal Crônica – DRC
Na natureza, os gatos se alimentavam estritamente de carne fresca, e com isso supriam a maior parte das suas necessidades de água, uma vez que a carne possui 80% de água em suas células. Outra maneira de ingestão de água eram as quedas de água ou fontes frescas, que de maneira esporádica eram também usadas para suprir essa necessidade hídrica.
O gato doméstico ainda possui a genética comportamental dos seus antepassados e algumas características ainda foram mantidas. Com a ingestão apenas de ração seca fornecida pelos tutores eles acabam tendo uma maior tendência à doença renal crônica – DRC. “Além de todos esses fatores ambientais e alimentares, o fator anatômico do gato é de extrema importância para a predisposição à doença, pois ele possui apenas 200 mil Néfrons, que é a unidade funcional dos rins, em comparação com o cão que possui 400 mil néfrons. Com isso, a recomendação unânime entre os veterinários de felinos domésticos é dar alimento úmido, sachês, todos os dias e utilizar fonte de água corrente em casa como estímulo visual e comportamental, bem como diversos potinhos de água espalhados pela casa”, recomenda.
Outro fator que os tutores devem ficar atentos é que, geralmente os gatos não apresentam nenhum sinal clínico durante a fase inicial da Doença Renal Crônica, o que está diretamente relacionado com seus hábitos de presa na natureza, na qual o gato não deve demonstrar sinais de doença ou fraqueza para não ser uma presa fácil em seu ambiente cheio de predadores. No entanto, em casos mais avançados os sinais clínicos mais comuns são: aumento da quantidade de urina e consequentemente aumento da ingestão de água, náusea, episódios de vômitos esporádicos ou frequentes, apatia, falta de apetite e perda de massa muscular corpórea.
O tratamento para esses pacientes renais é basicamente dar suporte e controlar os sinais clínicos, pois, infelizmente não há cura para a doença renal crônica. Usa-se medicações que controlam sinais comentados anteriormente, como antinauesantes, estimulantes de apetite, hidratação intensa do paciente através da fluidoterapia, que é o soro, controlada por bomba de infusão em ambiente de internação ou subcutânea em casa
Ainda de acordo com ela a Médica Veterinária, o paciente renal costuma ter desequilíbrios eletrolíticos como a baixa de potássio e o aumento de sódio, então, geralmente é preciso repor potássio via oral ou intravenosa e usar medicações que ajudem a quelar o fósforo ou usar rações específicas que possuam pouca quantidade em sua composição. “Outras opções de terapia que variam conforme o caso e têm sido usadas com bastante frequência no hospital onde trabalho, junto com a Nefrologista da equipe, são as hemodiálises, principalmente a Diálise peritoneal, que consiste na inserção de uma sonda de diálise flexível e indolor na cavidade abdominal do paciente, onde é inserida uma solução de diálise que permanece por um determinado tempo na cavidade peritoneal e depois é drenada. A função dessa solução é entrar em contato com o sangue e retirar a ureia e a creatinina, compostos que são tóxicos ao organismo, e que o rim não está conseguindo remover pela sua função debilitada. Isso ajuda a restabelecer o paciente por um período legal, mas nem sempre responde nas primeiras 24 horas, o que dificulta e encarece o tratamento para o tutor. Por isso, dentre outros, definitivamente vale muito a pena pensar na prevenção de doenças renais, pois todo tratamento apesar de ser efetivo para o controle da doença, nunca será curativo e é muito mais caro para o cliente tratar do que prevenir”, garante.
Outras doenças que acometem os gatos
PIF – Peritonite infecciosa felina
O que é?
A Peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença imunomediada causada pela infecção do coronavírus felino (FCoV) variante. “Não sabemos exatamente o motivo pelo qual o vírus se torna a PIF, porém, sabemos que uma baixa de imunidade causada por estresse imunológico pode desencadeá-la”.
Como é transmitida
O FCoV é transmitido entre gatos pela via feco-oral e não é transmitido para outros animais, incluindo humanos. “É importante lembrar que quando já há sinais de PIF o vírus não está em sua forma infectante, portanto, não irá transmitir para outros gatos não sendo necessário manter esse paciente em ambiente de isolamento hospitalar ou domiciliar”.
Sintomas
O evento patogênico chave para o desenvolvimento da PIF no gato é a replicação viral maciça do FCoV em macrófagos que, quando o gato falha em eliminá-los no início da infecção, desenvolvem uma reação imunomediada, causando lesões granulomatosas em órgãos alvos como sistema nervoso central, olhos, órgãos parenquimatosos e vasculites, que por sua vez, podem causar redistribuição de líquido em cavidades como consequente efusões torácicas e abdominais. Os gatinhos com a doença podem ter diversos sinais clínicos como: apatia, vômitos, diarreia, gengivas mais claras (mucosas hipocoradas) falta de ar, andar cambaleante, desequilíbrio, diferença entre uma pupila e outra (anisocoria) e aumento de volume abdominal. A doença é grave e o prognóstico é ruim quando não tratado rapidamente.
Formas de tratamento
Felizmente hoje, já existe tratamento curativo para a doença, coisa que não existia há alguns anos. Porém, é causa de grande polêmica entre os tutores e veterinários, pois a única medicação curativa para a doença não tem aprovação da Anvisa, o que deixa a medicação proibida para prescrição do médico veterinário e limita muitas possibilidades. “O que resta para o veterinário é o suporte clínico ao paciente que se dá em controlar tudo que a doença vem causando, como citei anteriormente. Nos casos em que acompanhei o suporte mais frequente foi de internação para Fluidoterapia medicações antinauseantes, controle de dor e transfusões sanguíneas devido a anemia grave, controle dos sinais neurológicos, e suporte para manutenção de temperatura e pressão arterial sistêmica”.
FIV – Imunodeficiência Viral Felina
O que é?
A FIV ” imunodeficiência viral felina” é uma doença causada por um retrovírus que leva a uma disfunção progressiva do sistema imune, o que deixa o gato susceptível a contaminações concomitantes por bactérias, fungos e até mesmo outros vírus.
Como é transmitida
É transmitida pela saliva de animais contaminados através da inoculação por mordidas ou em saliva. Mais raramente o vírus pode ser passado da mãe para o filhote durante a gestação em ambiente natural.
Os fatores de riscos associados à doença são acesso à rua, aglomeração de animais não testados que possam entrar em conflitos, como em ONG ou casas de acumuladores, temperamento instável e má socialização, que podem gerar comportamento agressivo, tornando-os mais susceptíveis a adquirir e transmitir a doença através de brigas.
Sintomas
Após a contaminação pelo vírus da imunodeficiência felina, os gatos passam por uma fase aguda na qual pode causar febre, anorexia e linfadenomegalia. “Após essa fase os gatos entram em um longo estágio assintomático que pode durar muitos anos e por isso pode passar despercebida por seus donos. Mesmo assim, durante esse estágio o sistema imune pode vir sendo afetado progressivamente”.
Formas de tratamento
Não há um tratamento curativo para a doença atualmente. “Por isso, a detecção precoce da doença através do famoso teste de Fiv-FelV, aquele teste que detecta o vírus da AIDS e da leucemial felina devem ser realizados em todo e qualquer gato, assim prevenirmos o risco de disseminação da doença para outros animais”.
O tratamento de suporte consiste em auxiliar o sistema imune e tratar a doenças concomitantes causadas por bactérias, fungos e outros vírus que se instalaram devido a falha no sistema imune e dependerá de cada doença.
FELV – Vírus da Leucemia Felina
O que é?
É um vírus chamado de “vírus da leucemia felina”. Apesar do nome, nem sempre se manifesta como uma leucemia. Pode ter outras maneiras de manifestação, como neurológica afetando a medula espinhal, hematológica, afetando a medula óssea e células sanguíneas, neoplásicas desenvolvendo tumores pelo corpo, como em tórax e intestino, e outras manifestações menos comuns. “Após o contato do felino com o vírus, podem ter três possibilidades de resposta do corpo. São elas a abortiva, quando o sistema imune é eficaz e elimina o vírus; a regressiva, que o vírus se esconde dentro do material genético (DNA) das células do felino – até o momento sem evidências significativas de que causa algum mal enquanto nessa situação, porém em situações de desafio imunológico, pode sair da célula e voltar a circulação; e a progressiva, que o vírus fica circulante, causando a doença em órgãos específicos e sendo eliminado por secreções corporais”.
Como é transmitida
Ele é transmitido por contato direto com secreções de gatos infectados e com a doença ativa, como saliva, fezes e urina. Lambedura, compartilhamento de potes de comida e água, caixa sanitária, brinquedos que contenham saliva.
Sintomas
Os sintomas vão depender do sistema afetado, podendo ser inespecíficos como apatia, febre e anorexia, ou mais avançados como anemia, alteração respiratória, alteração locomotora e neurológica.
Formas de tratamento
Infelizmente, até o momento não temos uma cura realmente eficaz para a FeLV. “Muitos estudos estão sendo realizados e estamos otimistas com os resultados, e torcemos que num futuro breve ela esteja disponível para nossos companheiros felinos. O tratamento em si envolve o suporte necessário para evitar que a doença progrida, como manter hábitos saudáveis com alimentação nutritiva, exercícios físicos, livre de estresses e com visitas periódicas ao veterinário para acompanhamento de perto com avaliação física, exames de sangue e de imagem. Esse acompanhamento é obrigatório para gatos positivos, a fim de tentar encontrar possíveis alterações antes que elas venham a piorar. Também pode ser feito conforme as manifestações mais graves, transfusões em casos de anemia severa, quimioterapia em casos neoplásicos, entre outros. Os casos devem ser avaliados e tratados por um Médico Veterinário de maneira individual”.