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Por Pauline Machado

Hoje em dia é muito comum vermos grupos para as pessoas falarem e trabalharem a convivência com o luto seja de uma pessoa querida, um amigo, um familiar e, também de um pet.

No entanto, nos perguntamos se os cães e gatos também vivenciam o luto após perderem a convivência com outro animal de companhia ou com um ente da família.

Para nos explicar essas e outras questões relacionadas a como os animais lidam com a perda, conversamos com exclusividade com a Médica Veterinária Rita Ericson, formada em 1994 pela Universidade Federal Fluminense, pós graduada em Etologia Clínica pelo Instituto Qualittas, no Rio de Janeiro e Mestre em Comportamento animal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Além de autora do site www.bichosaudavel.com e dos livros Latidos de Sabedoria e Miados de Sabedoria, Rita apresenta boletins diários sobre saúde e comportamento de cães e gatos na Rádio JB FM, no Rio de Janeiro, foi consultora de veterinária do Programa Encontro com Fátima Bernardes, de 2014 até 2021, e do podcast Bichos na Escuta do G1/Fantástico e desenvolveu uma websérie para o GShow, com 19 episódios sobre cães e gatos. 

É também, membro e fundadora do TanatoVet – um grupo de veterinárias e psicólogas, que estuda a finitude, a comunicação de más notícias e o luto na Medicina Veterinária, e certificada no Programa Fear Free, criado por especialistas em comportamento e medicina veterinária, focado em minimizar o medo, a ansiedade e o estresse dos animais durante visitas ao pet shop e procedimentos veterinários.

 Na área acadêmica, Rita é professora de comportamento animal no curso de pós-graduação da Universidade Tuiuti do Paraná e professora de pós-graduação PainCare da Escola Brasileira de Medicina Veterinária – Ebramev.

As considerações da especialista são muito importantes, acompanhe!

Pet Med – Muito falamos sobre a dor que as pessoas sentem quando perdem seus animais de estimação. No entanto, gostaríamos de saber como os próprios animais sentem a perda de um familiar mais próximo ou de um outro pet que tenha sido seu companheiro dentro da família. Cães e gatos sentem a dor do luto? 

Rita Ericson – Os dois trabalhos mais importantes que a gente tem publicados sobre isso – estamos falando sobre ciência, e não sobre o que a gente percebe no dia a dia – sendo um focado em cães e outro é focado em gatos, mostram que os humanos que responderam aos questionários sobre a mudança de comportamento dos seus animais após a perda de outro animal – porque os dois estudos foram feitos com a perda de um animal da mesma espécie que ele – mostram que eles sentem, que eles percebem alterações comportamentais, especialmente relacionadas a brincar menos, comer menos, redução de atividade, aumento da busca por atenção dos humanos e aumento da sonolência. Isso é o mais perceptível. No entanto, a gente precisa destacar questões que os dois trabalhos levantam, que é, se isso tudo não é muito interpretado pelos humanos que também estão enlutados. E, aí o que os trabalhos mostram também é que se esses animais tinham uma relação afiliativa, ou seja, se eram amigos, ou eram da mesma família, se eles tinham uma relação próxima, esses comportamentos alterados são mais facilmente percebidos do que quando os animais não têm uma relação afiliativa entre eles. E, também, sobre o tempo de convivência, eles perceberam que quando os animais tinham mais tempo de convivência as mudanças de comportamento ficam mais evidentes.

Pet Med – Como os familiares podem identificar se o(s) pet(s) da família pode(m) estar sofrendo com a perda de um familiar ou de um companheiro pet?

Rita Ericson – Observando de perto o seu comportamento. Conhecendo bem o seu animal, qual é o padrão dele de brincadeira, de alimentação, de atividade, de sono, a gente percebe quando isso está alterado. Os animais se beneficiam muito de rotina, então, quando existe uma rotina e essa rotina é saudável e se repete, a gente percebe quando ela sai do padrão. 

Pet Med – Diante dessa constatação, quais devem ser os cuidados com esse pet para que ele não viva triste ou desenvolva quadro de depressão ou outro tipo de problema de saúde?

Rita Ericson – Essa é uma questão importante, porque muitas vezes pode-se fazer uma confusão entre comportamentos parecidos com o do luto e o da depressão, e na verdade o animal está doente, então a gente tem que tomar muito cuidado para não considerar que é luto sem fazer um check-up de saúde. E aí, o que a gente pode fazer, considerando que o animal está saudável, que ele está triste, sentindo a falta do outro, é tentar melhorar a qualidade de vida dele o máximo que a gente puder, oferecendo sensações prazerosas, emoções positivas, sempre respeitando o espaço dele.

Pet Med – Muitas famílias tentam resolver essa ausência com a adoção de um novo cão ou gato para fazer companhia ao pet que ficou. Essa solução é uma boa opção? 

Rita Ericson – Essa questão é complexa, inclusive por conta do luto da família. Se a família está enlutada, muitas vezes a decisão de adotar um outro animal, naquele momento pode não ser muito boa e a mesma coisa vale para o pet. Às vezes é um pet idoso, e ele pode até estar sentindo a falta do outro que faleceu, mas pensar em conviver com um filhote cheio de energia e animado, por exemplo, pode ser muito pior do que ele se adaptar à nova realidade de não ter outro pet para conviver com ele.

Pet Med – E quando a falta é de um ente da família, o que pode ser feito para diminuir ou ajudar o animal a lidar com essa perda?

Rita Ericson – Como a gente não tem nenhuma pesquisa falando sobre o luto dos animais com relação à perda dos humanos, mas, a gente tem depoimentos e percepções de pessoas que convivem com os pets dizendo que o animal fica diferente, é mais ou menos a mesma estratégia da perda de um pet. É tentar fazer a vida de esse animal ficar boa, ser boa ou ser melhor do que era. Eu, pessoalmente, sem ter embasamento científico, porque eu nunca fiz uma pesquisa sobre isso, costumo recomendar que se evite ficar repetindo muito o nome da pessoa ou o nome do pet que não está mais presente, porque o que a gente sabe sobre a capacidade cognitiva dos animais, nos mostra que eles não têm o conceito da morte como um acontecimento. Eles não sabem que aquele animal ou aquela pessoa sumiu porque morreu, e sim, porque ele não está mais ali. O conceito da morte para os humanos, ele é muito profundo, porque a gente sabe que é definitivo. A gente tem esse conceito de que a morte é uma interrupção de um vínculo real, presencial e que a partir do momento em que o indivíduo morre você não terá mais essa possibilidade de convivência. Esse conceito de morte, os animais não têm, então, quando ele sente falta, ele está sentindo falta da companhia daquele animal ou daquela pessoa ali do lado dele.

Pet Med – Quais são as consequências para os animais quando sofrem esse tipo de perda, se essa dor não for levada em consideração e com atenção pelos familiares?

Rita Ericson – Eu acho que o maior risco é do animal estar doente e a pessoa considerar que ele está enlutado, porque se o animal realmente está enlutado, e a qualidade de vida dele estiver boa, ele provavelmente vai ficar normal, voltar para o comportamento dele normal dentro de algum tempo. O que a gente chama de luto complicado nos seres humanos, a gente não tem registro nos animais, nem existe registro de comportamentos semelhantes ao luto em cães selvagens, por exemplo. Em outras espécies a gente vê, nos elefantes, nos primatas, por exemplo, a gente vê, inclusive, alguns estudos e comportamentos diferentes depois que o animal morre, mas, nos cães selvagens não há esse tipo de comprovação.

Pet Med – Para finalizar, que outras informações você entende como importantes e que não tenham sido abordadas durante a entrevista?

Rita Ericson – É muito importante ressaltar que os dois estudos recentes, esse sobre os gatos, de 2024 – Is companion animal loss cat-astrophic? Responses of domestic cats to the loss of another companion animal, e sobre cães, de 2022, Domestic dogs (Canis familiaris) grieve over the loss of a conspecifc, mostram que é muito difícil separar o que essa família está interpretando no comportamento desse animal através do seu luto, porque essa família também está enlutada, e o que esse pet pode estar percebendo de diferente neste ambiente familiar em que ele vive por causa do luto dos humanos e não por causa do luto dele. Por exemplo: um animal que se aproxima do ser humano quando ele está inseguro. Nesse momento, esse ser humano é a segurança dele, ele se aproxima de você para te pedir ajuda, se você ser humano, está inseguro, não está bem, está  com raiva, triste ou vivendo uma emoção negativa, esse pet pode não se sentir seguro em pedir ajuda para uma pessoa que está assim, então, tem todas essas percepções que podem ser interpretadas pelos humanos que estão enlutados, e que transformam essa nossa percepção para com os animais. Isso tudo é importante considerar.


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