Por Pauline Machado
⠀⠀⠀Em 2014 o mês de julho foi instituído pela Federação Internacional das Sociedades Oncológicas de Cabeça e Pescoço como o mês de conscientização e prevenção do câncer de cabeça e pescoço.
⠀⠀⠀Para as pessoas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia que a adoção de hábitos saudáveis e consultas preventivas podem ajudar a reduzir a incidência do câncer em até 25% até 2025.
⠀⠀⠀E para cães e gatos, o que é recomendado nesses casos?
⠀⠀⠀Para responder essa e outras dúvidas conversamos com exclusividade com a Médica Veterinária, Daniella Matos da Silva, portadora do CRMV/PR: 9760.
⠀⠀⠀Formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Daniela possui Residência em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais e Residência em Oncologia Veterinária, ambos no Hospital Veterinário da UFPR e é Mestre em Ciências Veterinárias, também pela UFPR.
⠀⠀⠀Atualmente, trabalha no serviço de cirurgia de tecidos moles e oncologia de pequenos animais.
Acompanhe!
⠀⠀Pet Med – Qual é o significado e a importância da Campanha Julho Verde?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – A campanha “Julho Verde” objetiva a conscientização da população quanto à existência e diagnóstico precoce das neoplasias malignas, ou seja, câncer, que afetam a região de cabeça e pescoço. Com um diagnóstico precoce, a possibilidade de uma boa resposta ao tratamento é melhor.
⠀⠀Pet Med – Qual é a incidência de casos de tumores de cabeça e pescoço nos pets?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – Existem diversos tipos de tumores, entre benignos e malignos, que podem acometer a região de cabeça e pescoço. Neste grupo de tumores, estão incluídos os que atingem a cavidade oral, plano nasal, cavidade nasal, glândulas salivares, tireoide e região de orelha/conduto auditivo. Logo, é difícil estimar um percentual de incidência para todos estes tumores de uma maneira geral.
⠀⠀⠀Na maioria dos estudos que temos em cães e gatos, a incidência e prevalência é determinada para um tipo específico de tumor que afeta essa região. Por exemplo, sabemos que os tumores de tireoide constituem cerca de 1 a 4% de todas as neoplasias dos cães e que 90% destes são carcinomas, ou seja, malignos. Em gatos, especialmente os de pelagem clara, é muito comum o carcinoma espinocelular ou de células escamosas, um tipo de câncer no plano nasal e região de pontas de orelhas, podendo chegar a representar cerca de 15% de todos os tumores de pele que afetam os felinos.
⠀⠀Pet Med – Nesse cenário, quais são os tipos mais comuns em cães e gatos?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – Tanto em cães quanto em gatos, as neoplasias de cavidade oral são frequentes sendo que no grupo dos malignos, temos o melanoma mais representado em cães e o carcinoma nos gatos. Na região de plano nasal e orelhas, como já citei, é comum o carcinoma nos gatos, especialmente naquelas de pele e pelagem clara e expostos ao Sol.
⠀⠀⠀Dentro da cavidade nasal, é comum o aparecimento de carcinomas e sarcomas em cães e carcinomas e linfomas em gatos. ⠀⠀⠀Na região das glândulas salivares, os carcinomas podem acometer tanto cães quanto gatos. Na tireóide, o carcinoma é o tumor mais comum nos cães, enquanto gatos apresentam com certa frequência tumores benignos como adenomas ou hiperplasias. Vale ressaltar também que o linfoma é frequentemente diagnosticado em cães pelo aumento dos linfonodos da região do pescoço, embora não seja um câncer exclusivo da região de cabeça e pescoço.
⠀⠀Pet Med – Qual é a diferença entre carcinoma, sarcoma e linfoma?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – São tipos de neoplasias de acordo com a célula de origem. Existem três grandes grupos de neoplasias: as de origem em células epiteliais, as de origem em células mesenquimais e as de origem em células redondas.
Os carcinomas são neoplasias malignas de origem epitelial, enquanto que os sarcomas são neoplasias malignas de origem mesenquimal e os linfomas são um tipo de neoplasia de origem nos linfócitos, que por sua vez é um tipo de célula redonda.
⠀⠀Pet Med – De que forma estes tipos de câncer podem surgir e quais são suas implicações para a saúde dos pets?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – O câncer surge a partir de um processo complexo que chamamos de “carcinogênese”, em decorrência de uma mutação genética que vai se perpetuando e dando às células características de malignidade. A mutação inicial pode acontecer de forma espontânea ou induzida por algum agente químico, físico, viral, etc… potencialmente carcinogênico.
⠀⠀⠀A principal consequência para a saúde do animal acometido pelo câncer é que estes tumores têm comportamento maligno, ou seja, provocam destruição da função do tecido primário acometido e podem migrar para outros órgãos do corpo, o que chamamos de metástase.
⠀⠀⠀Na região da cabeça e pescoço, o crescimento local de um câncer pode, por exemplo, afetar a função respiratória, a deglutição, visão, condição neurológica, etc. E, em casos de avanço da doença, migrar para os pulmões, por exemplo.
⠀⠀Pet Med – Quais são os sinais clínicos de um animal com possíveis tumor na cabeça ou no pescoço?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – Os sinais clínicos irão variar bastante de acordo com o local do aparecimento do tumor e seu padrão de crescimento. De uma maneira geral, o que vai chamar atenção do tutor do animal é a presença de um aumento de volume, como um nódulo, um “caroço”, que pode ser percebido na palpação da região. Às vezes durante um carinho no pet ou durante uma escovação, podemos perceber um nódulo na região do pescoço por exemplo.
⠀⠀⠀Outro sinal bem importante que pode estar presente é o sangramento pelas narinas ou dentro da boca, que pode indicar um câncer na cavidade oral e/ou nasal.
⠀⠀⠀Ainda, dependendo do tamanho do tumor e localização, o animal pode apresentar tosse e “rouquidão”, no caso de tumores que comprimem a região do pescoço.
⠀⠀⠀Se o tumor estiver dentro da boca, o animal pode apresentar dificuldade para deglutir, dor e salivação excessiva, além de halitose.
⠀⠀⠀Se o tumor estiver na pele da região de nariz ou orelhas, pode apresentar lesões que se assemelham a feridas que não cicatrizam (com crostas e sangramento intermitente).
⠀⠀Pet Med – E quanto ao diagnóstico, como é identificado?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – O diagnóstico se inicia pelo exame físico e histórico do animal e, obrigatoriamente, uma vez que se tenha a identificação de um nódulo, é realizada então a coleta de um fragmento ou pelo menos de algumas células para que seja feito algum tipo de biópsia, como o citopatológico e o histopatológico.
⠀⠀⠀Muitas vezes, precisamos anestesiar o animal para identificar melhor a lesão e coletar o material para análise, como nos casos de tumores no fundo da boca ou dentro da cavidade nasal, e ainda, alguns métodos de biópsia tem que ser realizados guiados por exames de imagem, como ultrassonografia, tomografia ou endoscopias.
⠀⠀Pet Med – Quais são os possíveis tratamentos para cão ou gato diagnosticado com tumor de cabeça e pescoço?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – Tudo vai depender de qual o diagnóstico definitivo, ou seja, o resultado da biópsia, de onde a doença está – apenas em um local ou se já é disseminada, e do estado geral de saúde do animal e suas comorbidades.
De uma maneira geral, animais com tumores sólidos bem localizados e que não se espalharam, sem metástases, podem ser tratados com cirurgia.
⠀⠀⠀Outro tratamento muito utilizado para tumores de pele na face é a eletroquimioterapia; para carcinomas de cavidade nasal temos a opção da radioterapia como um bom método de tratamento.
⠀⠀⠀Nos casos de linfoma, geralmente a quimioterapia antineoplásica é o tratamento de eleição. E, não raramente, associamos métodos de tratamento como a cirurgia e posteriormente a quimioterapia.
⠀⠀⠀Vale lembrar também que o uso de analgésicos é sempre muito bem-vindo, pois frequentemente estes tumores provocam dor no animal. A escolha e realização do tratamento deve ser amparada por um médico veterinário especializado na área de oncologia.
⠀⠀Pet Med – E o prognóstico?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – O prognóstico também está diretamente ligado ao diagnóstico e ao quanto esta doença já está avançada. Casos de tumores benignos diagnosticados precocemente, geralmente têm excelente prognóstico.
⠀⠀⠀Mesmo em casos de tumores malignos, se o diagnóstico foi precoce e a doença estava bem localizada, muitas vezes com o tratamento adequado e bem realizado, há um bom prognóstico.
⠀⠀⠀Alguns casos podem ser mais desafiadores e o prognóstico pior, principalmente quando já há sinais de metástases ou já não é a primeira vez que este tumor está sendo tratado, em casos de recidiva. Ainda assim, sempre é possível tentar tratar, mesmo que de forma paliativa, objetivando melhora da qualidade de vida do animal, mesmo que não se possa proporcionar a cura.
⠀⠀Pet Med – E como medidas de prevenção, quais devem ser adotadas pelos tutores?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – Nem sempre podemos prevenir o aparecimento de tumores pois na grande maioria das vezes não há como evitar o dano genético que irá gerar o câncer. Uma exceção são alguns tumores de pele que têm seu desenvolvimento associado à exposição crônica à radiação ultravioleta. Como já comentei aqui, estes são os carcinomas de células escamosas que são comuns na região da face (nariz, pálpebras e orelhas principalmente) de animais de pele clara que são muito expostos ao Sol. ⠀⠀⠀Nestes casos, o uso de filtro solar ou mesmo a não exposição ao Sol são formas de prevenção.
⠀⠀⠀Saliento também que, embora nem sempre seja possível prevenir o câncer, o diagnóstico precoce impacta diretamente na resposta ao tratamento. Logo, é muito importante que o tutor do animal inspecione periodicamente o seu cão ou gato e fique bem atento a qualquer mudança física apresentada. Por exemplo, um espirro com sangue, uma mudança no hálito, uma alteração no tom do latido, etc. Estes sinais podem ser indicativos de um câncer que ainda não está muito visível.
⠀⠀⠀Vale ressaltar também a importância de avaliar sempre a cavidade oral para diagnóstico precoce de tumores em boca e, sempre, levar o animal para uma avaliação de rotina com um médico veterinário para que um exame físico criterioso seja realizado e, na suspeita de um câncer, outros exames sejam requisitados precocemente, bem como uma avaliação precoce com um médico veterinário oncologista.
⠀⠀Pet Med – Por fim e ainda sobre o papel da família, que hábitos devem ser evitados no dia a dia com o pet, como prevenção de câncer de cabeça e pescoço nos cães e nos gatos?
⠀⠀⠀Daniella Matos da Silva – Acho que o mais importante é a atenção diária ao pet para identificar sinais precoces da doença e, no caso específico dos tumores de pele que afetam a face, evitar a exposição ao Sol, principalmente em horários de maior incidência de radiação ultravioleta e sem uso de filtro solar.